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16/07/2011

A Convivência...

Na manhã seguinte, a rotina começou a ser estabelecida e as funções de cada membro do Acampamento foram retomadas, sendo que independente dos sentimentos de papai por aquela moça, a sua decisão de estar casado com mamãe seria mantida a qualquer custo por ele ser um cigano e, um cigano sempre honra os seus compromissos, até a última conseqüência.

Pacientemente o pai de Yasmin foi apresentando aos novos membros de nosso Acampamento, a cada um dos antigos componentes, também foi ensinando tudo sobre as nossas leis, os nossos costumes, os nossos métodos de trabalho e divisão das tarefas.

Destinou uma de nossas senhoras para acompanhar a mulher e seu filho em absolutamente tudo, até a sua completa adaptação e de seu filho. Estabeleceu regras para o convívio pacífico deles com nossa família e deixou claro que à papai caberia o reconhecimento do menino dentro dos moldes ciganos. Disse que ele teria um novo nome cigano, como nós tínhamos o de nascimento e o cigano e, que embora morássemos em tendas separadas, o menino teria direito a fazer algumas refeições conosco e participar de algumas atividades de nossa família.

Com o passar do tempo, todos fomos percebendo que o rapaz tinha alguns trejeitos, posturas e modos de falar como o papai e que a possibilidade de não ser um filho legítimo era muitíssimo pequena, além do mais sua aparência com o decorrer do tempo também foi se aproximando ainda mais com a de papai.

Eu acabara de completar meu décimo quinto ano de nascimento e Yasmin faria doze anos em poucos dias e, para dizer a verdade, nós nos amávamos cada dia mais. Ela era gentil e dedicada, sendo que todo tempo que possuía ajudava mamãe em suas tarefas, depois de concluir as suas próprias tarefas, é claro. Mamãe gostava muito dela também e volta e meia a presenteava com algum objeto de adorno ou com bolos e doces que fazia. Eram amigas e isso mantinha uma admiração mútua entre elas.

Nos dias em que meu meio-irmão passava conosco, Yasmin se distanciava para proporcionar-nos alguma privacidade. O rapaz foi conquistando um espaço muito grande dentro do Acampamento, pois aprendera muitas magias com muito pouco tempo, era hábil na manipulação de formulas mágicas e os seus resultados chegavam mais rápido que os resultados da maioria dos outros rapazes e moças. Era um aprendiz aplicado, um estudioso e o filho que todo pai gostaria de ter, e esse, na verdade, era o nosso grande problema.

Papai ficava babando cada vez que o rapaz era elogiado ou se referiam a ele como uma pessoa educada e muito inteligente, mas eu me lembrava sempre das lições de mamãe e não permitia que o ciúme tomasse conta de mim. Contudo, embora mamãe nada comentasse tinha certeza que ela desconfiava de alguma forma de que meu meio-irmão não era tão bondoso como parecia e nutria por ele o mesmo sentimento que eu também possuía, que era o de desconfiar sempre e, de tudo relacionado a ele.

Num determinado dia, depois de Yasmin ter completado seus doze anos, peguei os dois conversando baixinho e longe de nossas tendas, pareciam estar escondendo algo conversando assim tão baixinho, mas como eu não pude ouvir o teor da conversa, pensei em perguntar depois para a Yasmin sobre o que conversavam.

Comentei apenas com mamãe a cena que presenciei, falei de meus sentimentos e de minhas intenções de falar com Yasmin sobre o assunto. Mamãe balbuciou alguma coisa que não entendi e como estávamos caminhando, resolvi não pedir a ela que repetisse. Porém acabei ficando curioso sobre o que mamãe havia balbuciado.

Alguns dias depois, toquei no assunto com Yasmin sobre a cena que presenciei entre ela e meu meio-irmão e, ela afirmou ser imaginação minha, pois não lembrava ter ficado a sós com ele. Isso me deixou muito cismado e comentei com mamãe o que Yasmin me respondera, ela balbuciou novamente as mesmas palavras que havia mencionado na outra oportunidade e como novamente não entendera perguntei-lhe e ela me respondeu.

— A Lenda! Existe uma lenda cigana que trata de coisas que parecem com as que acontecem entre você e Yasmin, mas acho ser só coincidência e em uma outra hora qualquer eu lhe conto por ser uma lenda triste e longa. Acho que não deve se preocupar, pois como lhe disse são apenas coincidências e em nada deve ter a ver com vocês dois.

A vida continuava em sua rotina, mas num determinado dia vi meu meio-irmão se encaminhando para a mata fechada e resolvi seguí-lo. Quando chegou em um lugar onde havia umas pedras, foi que percebi que tirou de uma espécie de bolsa um animal pequeno amarrando as patas do que parecia a distancia ser um coelho, um gambá ou uma doninha, coloco-o sobre uma das pedras e começou a rezar. Foi depois de algum tempo que entendi que aquele era um ritual, pois depois de rezar ajoelhado, cantar algo que não compreendia e dançar muito em volta das pedras e do animal, ele o sacrificou e por fim pareceu-me beber seu sangue, deixando o animal morto sobre uma das pedras menores. Não tive dúvidas, saí dali completamente apavorado e chegando ao Acampamento fui ter com a mamãe.

Depois de ouvir a minha narrativa, mamãe me repreendeu por tê-lo seguido e me pediu segredo absoluto do que lhe contara, pois tinha convicção que se eu divulgasse o que vi, ninguém acreditaria, tendo em vista que todos, indistintamente, gostavam do rapaz e o admiravam por sua grande evolução no campo da magia. Além do mais, poderiam supor que eu inventara essa história por ciúme do amor que papai dedicava ao rapaz e, sendo assim, minha invenção estaria justificada, ao menos para a consciência deles.

Aquela imagem do meu meio-irmão bebendo o sangue do animal, não me deixava em paz, mas eu havia prometido a mamãe não comentar com ninguém e foi isso o que fiz.

Muito tempo depois, o entrosamento com Shain, tinha melhorado muito, na verdade, quando eu não estava namorando, estávamos eu, Yasmin e ele, juntos, conversando, brincando ou mesmo dançando nas festas. Eu não havia esquecido a cena terrível, mas aprendi a conviver com ele, já que não encontrei mais motivos para não gostar ou desconfiar dele. A única coisa que não era comum nele era o fato de que sempre usava roupas escuras como; preto, marrom e azul escuro, quando nós os ciganos nos trajamos com roupas cheias de cores para demonstrar que amamos a vida com todas as forças de nossos corações. Mas, aprender a conviver não significava que minhas desconfianças haviam desaparecido ou que elas não me preocupavam.

Autor: Julio Roberto Santos
(Narrado pelo espírito de Hiago, o cigano)

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Conselho Mundial de Cidadania Planetária