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13/12/2011

A Força da Magia Cigana...

Já se passavam uns quatro meses da morte de meu melhor amigo e eu ainda sentia muita indignação por nada ter podido fazer, mas o treinamento continuava e agora, eu estava só, em um lugar que não conhecia e ficaria ali, no meio do nada, tentando sobreviver por um bom tempo, e isso me daria condições de avaliar tudo; o que aprendi em relação ao que sentia por Yasmin; a magia; as ervas; as frutas; as pedras; os elementais; os ensinos muito valiosos de mamãe e, as considerações sempre oportunas de papai, ao que pensava sobre Shain, ao que sentia por todos os membros de nosso grupo e, também, ao que aprendera e ainda estava aprendendo sobre abrir os caminhos e encontrar um lugar seguro e com condições para habitação.

Enfrentei muitas adversidades e algumas vezes, acabei dormindo molhado pela chuva, com fome, frio, mas aos poucos fui conseguindo reunir o que aprendia e encontrei caça, frutas e a proteção de pedras. Havia uma fenda na parte de baixo, que não seria bem uma caverna, pois ela só tinha a cobertura, sendo que as laterais eram abertas e me deixavam sujeito à ação do tempo, mas me protegia da chuva que vinha por cima.

Numa das noites, sonhei com uma porção de gente chegando ao Acampamento com diversas tochas e foram queimando uma a uma cada uma de nossas carroças e tendas. Mas, uma voz desconhecida me disse que se eu estivesse presente isso seria evitado. Acordei muito assustado. Sabia que ainda restavam mais uns três dias de lua nova e que só tinha autorização de voltar ao Acampamento depois que a lua nova fosse embora, mas não consegui me controlar, peguei as minhas coisas, fiz uma pequena trouxa, coloquei nas costas e voltei para o Acampamento.

No caminho de volta, eu pensava em qual seria a punição que eu receberia por não ter cumprido a meu treinamento como fora recomendado, mas a angustia que sentia por causa do sonho, justificaria qualquer atitude que tomassem pela minha ousadia de voltar.

Levei seis dias e seis noites na viagem de volta.

Tão logo cheguei fui direto falar com mamãe sobre o meu sonho, mas ao tocar em suas mãos, ela fez um sinal para que eu me calasse. Não tive dúvidas e obedeci. Ela me deixou sozinho na frente de nossa tenda e foi ao encontro de papai que estava alimentando alguns de nossos animais.

Depois de algum tempo retornou com papai, com Yasmin e seus pais. Entraram na nossa tenda e me chamaram. Não tive tempo nem de cumprimentar Yasmin direito e mamãe foi logo falando.

— Hiago está sentindo o mesmo que Yasmin e eu estamos e vou pedir que ele conte o que viu e, me passou a palavra.

— Na verdade, eu tive um sonho há cerca de seis dias, aonde via um grupo de homens chegando sorrateiramente ao nosso Acampamento, com paus e tochas nas mãos. Queimavam as tendas e nossos carroções. Acordei assustado e mesmo sabendo que não havia concluído o meu treinamento, resolvi retornar para ver se estava tudo bem, agora chegando aqui e vendo que está tudo em ordem, estou me sentido um verdadeiro idiota.
O pai de Yasmin tomando a palavra e disse:

— Quanto ao fato de ter abandonado seu treinamento, nós avaliaremos depois. O problema é que dois dias atrás, sua mãe e Yasmin tiveram a mesma visão que você nos relatou em seu sonho e isso significa que há uma possibilidade de nosso Acampamento ser atacado, portanto precisamos reunir o conselho e montar uma estratégia de defesa, com a máxima urgência.

Yasmin pediu a palavra.

— Papai, eu gostaria de fazer uma sugestão. Na minha visão...

Mamãe, não permitiu que ela falasse e foi logo dizendo:

— Vocês podem achar estranho o que Yasmin vai dizer, mas eu concordo com ela, sinto que o plano que lhe foi dado faz sentido já que somos a maior força deste Acampamento.
Yasmin recomeçou.

— Na minha visão, quando fizeram a tentativa de ataque, nós colocamos sete pessoas em volta do nosso Acampamento, em pontos estratégicos, como se fosse uma corrente humana. Não sei bem o que elas faziam ali, mas sei que os homens que nos atacavam, não conseguiam entrar no Acampamento, sendo que nada nos foi tirado, nenhuma carroça ou tenda foi danificada e nenhuma das sete pessoas foi atingida. Só consegui ver em volta do Acampamento o Hiago, eu e um homem vestido com uma capa preta, e outras quatro pessoas que não tinham rosto em minha visão.

A mãe de Yasmin que era a nossa maior curandeira, falou:

— As sete pessoas que estavam em volta do Acampamento, estavam em sintonia de pensamento, umas com as outras, fazendo uma corrente energética em favor da não violência e da segurança de nosso Acampamento. Isto é possível, pois aprendi, embora eu nunca tenha visto a execução de uma corrente assim, mas sei que é possível.

O Pai de Yasmin, olhando para sua esposa, perguntou:

— E quem poderiam ser essas pessoas tão superdotadas a ponto de salvar um Acampamento inteiro com mais de trezentas pessoas, sem nenhum tipo de agressão ser consumada?

Mamãe virando-se para a mãe de Yasmin, lhe perguntou:

— Você lembra da lenda? Os mais velhos a conhecem! Está será a chance que teremos para provar sua autenticidade, ou não. Se a lenda estiver correta, o Acampamento será preservado de um ataque de homens que são mercadores de escravos, por uma jovem vidente e seus pais, juntamente com o seu prometido, os pais dele e um mago que já nasceu com o conhecimento de magia e por instinto foi praticando sozinho e aprendeu muito.

Levantei a mão e fui falando:

— Neste caso, poderíamos ser nós seis, mas quem seria a outra pessoa?

Papai, que raramente falava em reuniões, pois preferia ouvir e analisar cada detalhe antes de falar levantou uma das mãos, pedindo a palavra e olhando para o pai de Yasmin, perguntou.

— Esse outro jovem não poderia ser o meu filho Shain? Todos sabemos que ele é hoje, um dos melhores alunos de magia, sendo que nunca havia sido treinado antes de chegar a esse Acampamento e, apresenta resultados surpreendentes, de acordo as pessoas que o treinam.

A mãe de Yasmin comentou:

— Pode ser sim, mas existem outras possibilidades que acredito que devem ser levadas e conta.

— Só pode ser ele mesmo. – comentou mamãe – Ele só usa roupas escuras, destoando dos demais membros desta tribo e na lenda, a pessoa que aprendeu sozinha, não consegue perceber a diferença entre o bem e o mal, justamente por ter aprendido sozinha. Para essa pessoa, a magia o deslumbra e causa nela a sensação de poder e como não sabe a diferença entre o bem e o mal, considera que ambos, são a mesma coisa, desde que lhe dê poder.

Papai demonstrou claramente não ter gostado do que mamãe dissera, mas nada falou.

O Pai de Yasmin definiu:

— A segurança desse Acampamento é minha responsabilidade, acredito sim que magias podem obter resultados impressionantes, chegando mesmo a ter absoluta condição de resguardar um acampamento inteiro, mas como posso aceitar que uma magia vá salvá-lo, sem que tenha traçado um plano alternativo ou complementar? Tenho a obrigação de resguardar a todos e ser sempre muito mais prático do que místico. Vou reunir o conselho e tomar as providências necessárias para manter a segurança de nosso povo. Não posso permitir que uma lenda que não sabemos se é verdadeira e que pode não dar certo, coloque em risco o Acampamento. Desculpem, mas minha posição está tomada.
Dizendo isso, retirou-se de nossa tenda e foi reunir o conselho, antes, porém, chamou sua esposa, papai e mamãe, para acompanhá-lo.

Ficaram reunidos durante horas. Soube que o assunto da lenda foi mencionado na reunião e foi muito discutido. Mas, como não sabia que lenda era essa resolvi me calar e aguardar os acontecimentos. Contudo, não me encontrava em condições de defender nem a mim mesmo, pois meu cansaço era grande e precisa descansar. Despedi-me de Yasmin e fui para o lago me lavar com a intenção de me deitar um pouco. Quando retornei ao Acampamento a reunião do conselho acabara e mamãe quis saber se eu estava bem e como tinham sido os meus dias, sozinho, lá fora. Não me senti em condições de contar nada e fui me deitar.
A noite chegara e acabei acordando com as vozes de papai e mamãe conversando sobre a tal lenda, mas não consegui entender muito bem o que eles falavam.

Comi alguma coisa e retomei o meu sono. Acordei novamente quando o dia clareava e me assustei quando ao sair da tenda, vi o Acampamento cercado por muitos de nossos homens, armados com pedaços de pau nas mãos. Alguns estavam com seus punhais em uma das mãos e pedaços de pau, na outra. Ficaram assim por dias e dias a fio e enquanto eles montavam guarda os seus afazeres foram redistribuídos para os demais, gerando uma carga bem maior de trabalho para cada um dos outros membros de nosso Acampamento. Os ensinamentos foram paralisados, algumas tarefas que não eram urgentes, também foram suspensas, as crianças foram proibidas de brincar fora do Acampamento e o clima de apreensão tomou conta das pessoas. Todos estávamos preocupados, tensos e muito assustados. Não podíamos ouvir um só barulho nas árvores ou no rio que já nos púnhamos em posição de defesa. O mais impressionante era a confiança que todos depositavam em meu sonho e nas visões de mamãe e Yasmin. Mas, e se nada acontecesse? Como ficaríamos eu, mamãe e Yasmin? Como as pessoas nos olhariam depois de tanto alarde?

Numa madrugada, acordei sozinho olhei em volta e vi somente minha irmã, dormindo. Mamãe e papai não estavam na tenda e sem que pensasse em mais nada fui me dirigindo para o lugar onde ficava o lago, dei meia volta no lago e me coloquei em pé na margem oposta de onde ficava o Acampamento. Ainda estava muito escuro a não ser pelo clarão da Lua, mas não senti medo ou tive qualquer outro tipo de sentimento, apenas fiquei ali parado.

De repente comecei a ouvir vozes vindas do Acampamento, mas não conseguia identificar uma só palavra, porém o barulho aumentava à medida que o tempo passava, mas me mantive ali imóvel e tentando adivinhar o que estaria acontecendo no Acampamento.

Quando dei por mim, eu estava tremendo, mas não sentia medo ou frio, apenas tremia. Sentia uma forte vibração percorrendo cada centímetro de meu ser e minha cabeça, assim como todo o meu corpo parecia estar infinitamente mais leve, como se cada parte quisesse se soltar uma das outras. Consegui sentir o que o Yasmin, mamãe, papai, a mãe e o pai de Yasmin e Shain, estavam sentindo. Era como se estivéssemos ligados uns nos outros. Em minha mente eu me via passando por dentro dos outros e eles passavam por dentro de mim, como se não tivéssemos carne e ossos, como se não estivéssemos vivos, como se não fossemos matéria. Essa sensação parecia eterna, como se jamais fosse acabar e me manteve imóvel, parado, inerte por todo tempo. O dia já havia nascido e eu ainda estava ali, não conseguia ouvir ou sentir nada, mas estava leve, feliz e era muito prazeroso estar ali e sentir tudo o que eu sentia. Muito vagarosamente a sensação de leveza foi passando e se instalou em meu corpo uma espécie de dormência e meus músculos, eu os sentia a todos e a cada um em separado. Era como se eu estivesse pessoalmente vistoriando cada um deles e todos eles ao mesmo tempo. Como se revisasse cada parte do meu corpo para avaliar se estava tudo funcionando como antes. Como se eu fosse meu próprio construtor e quisesse ter certeza que tudo estava em ordem.

Lembrei-me que caminhara contra a minha vontade, sem ter dado qualquer ordem ao meu corpo para ele se mexer e parecia que não era eu mesmo, pois sentia que as minhas proporções cresceram e eu sentia-me maior e bem mais forte. Nada mudara, eu acreditei, mas a sensação me dizia o oposto, até que um grande cansaço começou a tomar conta de meu corpo e parecia que eu estava pesando o dobro ou o triplo do meu peso normal. Consegui chegar a nossa tenda quase me arrastando, me joguei sob algumas almofadas e perdi a consciência. Não vi ou falei com ninguém, apenas dormi.

Durante esse sono, sonhei com uma infinidade de coisas, todas boas, muita alegria e muita paz tomavam conta de mim. Despertei já no meio do dia seguinte e tinha uma porção de gente à porta de nossa tenda, conversando com papai e com mamãe. Olhei na direção da tenda de Yasmin e a cena parecia a mesma, porém a mãe e Yasmin não estavam lá fora. Onde estariam a uma hora dessas? Papai e mamãe perceberam que eu havia acordado e vieram em minha direção, assim como todos os que estavam com eles e me perguntaram se eu estava bem, como me sentia, se eu me lembrava de alguma coisa antes de pegar no sono. Ficamos ali conversando por muito tempo, cada um passando a sua impressão do ocorrido e foi só ai que descobri o que tinha acontecido. O círculo havia sido formado por papai, mamãe, Yasmin, o pai de Yasmin, a mãe de Yasmin, Shain e eu, mas tudo aconteceu de forma mágica, como se não pudéssemos ter evitado, cada um de nós foi se dirigindo a seu lugar magicamente, não como zumbis, pois nossas sensações foram todas mantidas, mas como se soubéssemos que era o que tinha que ser feito, e assim, cada um tomou o seu posto. Os mercadores vieram e, todos os demais membros do Acampamento cumpriram o combinado. As mulheres e crianças foram para o interior da mata, onde foram colocadas as armadilhas para evitar que os mercadores de escravos pudessem entrar por ali e como todos sabiam rigorosamente o que fazer, não sofreram nada. Os mercadores que vieram pela trilha que passava por fora do Acampamento, estavam se escondendo atrás das moitas e árvores, como se quisessem nos fazer uma surpresa. Os que vieram pelo rio, foram se esgueirando pelos barrancos, ora entrando na água, ora andando pela margem.

Os nossos homens armados de paus, espadas e punhais ficaram esperando escondidos, mas com ampla visão dos movimentos do inimigo e nos contaram que os mercadores chegaram a cerca de trinta metros do Acampamento, aproximadamente, mas não conseguiram evoluir em nossa direção. Como se houvesse uma parede, eles escorregavam e caiam batendo em algum tipo de barreira invisível e assim ficaram durante horas, tentando passar pelo que não viam. O dia amanheceu a eles continuavam tentando avançar, sem nada conseguir ou entender. Um dos homens chamou os demais e conversaram por alguns minutos, depois fizeram mais uma tentativa, só que desta vez, se dividiram em grupos e tentaram entrar por diversos pontos diferentes, sem, contudo, atingirem seus objetivos. Desistiram e foram embora.

Soube ainda que estivemos dormindo por dois dias, sendo que o primeiro a acordar foi o pai de Yasmin, depois papai, depois mamãe, depois Shain, depois eu e, Yasmin e sua mãe acordaram juntas. Naquele fim de tarde, conversei com Yasmin que também se mostrou não entender muito bem o que havia acontecido, mas estávamos felizes, pois o Acampamento havia saído ileso.

No dia seguinte o pai de Yasmin, chamou-me juntamente com papai e mamãe em sua tenda e já se encontravam lá, sua esposa, Shain e Yasmin.

O motivo de seu chamado foi no sentido de agradecer a cada um dos presentes pela colaboração frente à tentativa de invasão dos mercadores de escravos, porém afirmou não compreender muito bem tudo o que acontecera, mas ressaltou que o mais importante foi ter preservado a integridade do Acampamento. Lembrou-me que deveria ainda concluir meu treinamento e que não deveria jamais deixar de terminar nada que eu tivesse começado.

Nos dias que se seguiram o assunto era a tal lenda que quando perguntávamos aos mais velhos recebíamos como resposta que isso não era um assunto para as crianças e que, no momento oportuno, nós saberíamos.

A vida foi retomando seu ritmo normal em nosso Acampamento, mas aquele assunto da lenda, ainda continuava a ser comentado pelos mais velhos do Acampamento, porém não com a mesma intensidade de antes.

Os homens que levavam os nossos produtos para serem comercializados na cidade estavam retornando ao nosso Acampamento e disseram que foram questionados quanto a pertencerem a um Acampamento de bruxos e bruxas que havia a um dia de viagem. Mas, como negassem, puderam fazer normalmente as vendas e as trocas por produtos que necessitávamos. O certo é que – nos contaram – havia uma mistura de medo e espanto, naquelas indagações e comentaram que não sabiam o que poderia acontecer no futuro, já que a curiosidade também era bastante grande.

O mais engraçado é que eles souberam que no tal Acampamento de bruxos, houve uma tentativa de ataque de uma legião de bárbaros vindo das terras geladas e que na invasão, foi aberto um precipício a sua frente e muitos dos bárbaros morreram ao se projetarem para consumar o ingresso ao Acampamento, outra parte daquele grupo que estava em embarcações e, vinham pelo rio quando este pegou fogo dizimando a todos os que lá se encontravam.

Por mais que a rotina estivesse de volta, algumas perguntas eu tinha dentro de mim e não sabia a quem fazê-las, já que minha grande conselheira se negava a abordar o assunto da lenda comigo, mas quem poderia me explicar o que significava Yasmin ter visto meu meio-irmão com uma capa preta? Porque um Acampamento com quase trezentas e cinqüenta pessoas, somente sete o havíam de protegê-lo? Que Yasmin, mamãe e a mãe de Yasmin tinham dons eu já sabia, mas que dons possuíamos, eu, meu pai, o pai de Yasmin e meu meio-irmão? Porque houve tanta confiança dos membros do conselho e dos demais ocupantes deste Acampamento, quanto ao que realmente iria acontecer? Que mistério envolvia as nossas vidas e as vidas dos membros desse Acampamento? Por que não poderíamos saber o que dizia a lenda, se estávamos envolvidos?

Muitas perguntas e nenhuma resposta. Yasmin e Shain sabiam tanto quanto eu e, os mais velhos não nos diziam nada.

Alguns dias mais tarde uma caravana de cerca de trinta religiosos passou por nosso Acampamento e enviou alguns dos seus para ver se dispúnhamos de alimento para os caravaneiros. Como de costume, oferecemos-lhes uma bela refeição e como já era tarde resolveram acampar nas imediações de nosso Acampamento.

Na manhã seguinte nos perguntaram se fora conosco que ocorrera o milagre acontecido na invasão de um povo estrangeiro aonde uma menina e um menino fizeram com que corressem depois que atearam fogo ao rio e abrirem um buraco imenso na terra, onde muitos dos estrangeiros sucumbiram.

Também disseram que essa estória eles tinham ouvido lá pelos lados da Jordânia e à medida que avançavam em nossa direção, essa estória ia se transformando, a ponto de ouvirem dizer que ao invés de milagre, havia sido a ação de uma menina bruxa e um menino mago e que ao invés de um grupo de estrangeiros, os inimigos pertenciam a um exercito do mal que invadira a Síria com o propósito de tomá-la para seu reino, um reino de crueldade e muita miséria, mas famoso por conquistar as terras alheias, principalmente por que era um exército muito bem armado e treinado.

Negamos tudo, mas ficamos assustados com as notícias, pois sabíamos que além de pacíficos, nós nem armas possuíamos e o pior é que precisávamos comercializar nossos produtos e uma estória dessas podia comprometer os nossos negócios na cidade.

Estranhamente os religiosos foram ficando, dia após dia, acampados próximos de nosso grupo e, volta e meia um deles se avizinhava para pedir algo e demorava mais do que o necessário para obter o que viera pedir.

Soubemos que dois deles foram até a cidade e na volta disseram que foram informados de que havia só mais um Acampamento nas imediações e este era um Acampamento tão antigo que já estava se tornando um pequeno vilarejo e que os primeiros chegaram lá, há mais de cinco anos e, portanto, não poderia ser o Acampamento do milagre ou de jovens bruxos.

Depois de mais alguns dias, se despediram e todos foram embora em direção a cidade, exatamente aonde comercializávamos os nossos produtos.

Em nossa próxima ida à cidade, partiram quatro carroças abarrotadas de nossos produtos e estimávamos que levariam uns dez dias para que retornassem com tudo comercializado, mas não foi o que aconteceu, pois no quarto dia eles chegaram sem nenhuma mercadoria, trazendo a notícia de que os religiosos afirmavam não haver qualquer bruxo em nosso Acampamento, mas um grupo de pessoas boas e puras e, portanto, se havia acontecido algo ali em nosso Acampamento, só poderia ser um milagre e, sendo assim, tudo o que fazíamos era transformado em benefício de nosso semelhante e da saúde de quem consumia nossos produtos. Afirmaram que um dos seus estava muito doente, tossindo muito e colocando placas de sangue e pus pela boca e que depois de se alimentar conosco, ele se recuperou e ficou completamente curado. Isso explicava os nossos produtos terem sido vendidos com tanta rapidez, mas ficamos preocupados com uma fama que não merecíamos, ao menos é o que ouvia das conversas de papai e mamãe, entre si e com outros adultos.

Gradativamente, foram chegando pessoas de todas as partes, dispostas a comprar os nossos produtos e ervas. Chegavam famílias com doentes, compravam produtos e depois seguiam viagem ou retornavam para o lugar de onde tinham saído. Não era como da última vez, em que ao nosso redor foi nascendo um vilarejo, mas a circulação de pessoas aqui era maior do que naquele lugar. Talvez, por entenderem que em nosso meio existiam bruxos de verdade e com medo, não se demoravam, muito conosco, mas faziam perguntas de toda sorte, como; Quem era a menina santa e milagrosa? Como era o rapaz que diziam ser um bruxo e dominava todas as forças da natureza? Como era isso? Como aconteceu aquilo? E assim, por diante...

Nosso grupo era alegre e transmitia muita confiança, então, quando negávamos, muitos acreditavam terem sido enganados e iam embora mais rapidamente, outros, porém, não se conformavam por ter andado tanto a procura de um milagre e demoravam-se mais, mas com medo do boato de bruxaria, acabavam por ir embora.

Assim, a vida do nosso Acampamento foi se modificando a ponto de não darmos conta daquilo que as pessoas vinham buscar e exatamente como havia começado gradativamente a freqüência foi diminuindo, sem jamais voltar ao sossego que era antes daquele episódio.

Com a diminuição de nossa paz, o assunto da lenda foi sendo deixado de lado para que não acabasse nos ouvidos dos não ciganos e, embora eu ainda não tivesse as respostas que precisava, não conseguia esquecer as minhas dúvidas.

Autor: Julio Roberto Santos
(Narrado pelo espírito de Hiago, o cigano)

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