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27/02/2011

A Cobiça...

O conselho estava reunido e soube que falariam da mudança de lugar do acampamento entre outros assuntos. Nosso líder parecia preocupado já há alguns dias e isso inquietava a todos.


Depois de muito tempo de reunião, fiquei sabendo que mudaríamos efetivamente, mas pelo menos desta vez seria uma mudança tranqüila e com bastante tempo para procurar o lugar ideal.


Estava próximo do dia em que faria quatorze anos e eu preferia que a festa fosse aqui, neste lugar, onde descobri o amor que sentia por Yasmin. Um lugar que jamais esquecerei. Cheio de encantamento e magia, onde o sol surge lá no alto da montanha e se põe como que estivesse entrando por dentro do riacho e promove um espetáculo de cores como nenhum outro lugar, eu supunha, que teria. Onde a lua dá um verdadeiro show, com sua aparência singela e estonteantemente bela. Onde o cheiro do mato é adocicado e a brisa que sopra a noite traz o perfume das mais diversas flores. Um lugar que de tão mágico foi capaz de fazer uma verdadeira transformação em mim, pois foi aqui que me tornei homem, foi aqui que me descobri amando e o amor que se instalou em mim é uma poderosa fonte de energia, capaz de mover céus e terras, rios e montanhas. Um amor que me fez descobrir que amar é realmente muito bom, mas é fundamental se sentir também amado. Jamais poderei esquecer este lugar e tenho a certeza que a natureza que está aqui, jamais testemunhará um amor tão bonito e tão intenso.


No dia seguinte alguns dos nossos "abridores de caminho" começaram a planejar a sua partida, um subiria o riacho, outro desceria o riacho, outros optaram por irem em outras direções, mas o fato é que estávamos de mudança e todos indistintamente estávamos trabalhando muito mais para podermos mudar com segurança e tranqüilidade.


Alguns dias depois todos os homens que haviam partido, já tinham retornado e realizaram uma nova reunião para decidir qual o nosso destino. Algumas horas depois, decidiu-se que todos os homens iriam conferir o lugar que Kalil, um jovem de dezesseis anos encontrara. Por ser muito jovem ainda e, por ser a primeira vez que partiria sozinho em busca de um novo acampamento, decidiram por irem todos conferir o lugar por ele descrito e, caso as suas informações se confirmassem, seria para lá que mudaríamos.


O pequeno vilarejo próximo ao acampamento já comentava que partiríamos e muitos estavam tristes por nossa mudança, porém alguns já disputavam de alguma forma, a nossa horta, o nosso pomar e todo o espaço que ainda ocupávamos. Era tamanha a discussão de quem ficaria com o que, que várias vezes por dia o nosso acampamento era invadido pelos não ciganos que se demoravam ali, nas suas escolhas.


Mais alguns dias e os homens retornaram com a notícia que o lugar era realmente tudo o que Kalil nos havia transmitido e ficou decidido pelas anciãs que partiríamos no início da lua nova, para trazer muita sorte para todos de nosso acampamento.


Na primeira noite de lua nova fizemos uma festa inesquecível, uma festa capaz de suplantar todas as demais já realizadas por nosso povo. Tudo era farto, tudo era muito mais alegre e tudo era muito mais divertido. A festa durou a noite toda e com os primeiros raios do sol, desmontamos as tendas e como os carroções já estavam arrumados, nos pusemos em movimento.


Tão logo a nossa caravana começou a se movimentar, o povo do vilarejo invadiu o lugar onde estivemos até a poucos minutos e começaram uma verdadeira batalha para a ocupação de locais que consideravam bons para si. Algumas de nossas carroças ainda iniciavam seus primeiros movimentos e os homens e mulheres, não ciganos já se debatiam ferozmente para conquistar um espaço. Houve até agressões físicas a alguns dos nossos que ainda saíam do lugar ocupado por eles, até então. Algumas carroças foram apedrejadas por estarem demorando muito para se movimentar. Não fossemos um povo realmente pacífico e teríamos ido tomar satisfação ou mesmo revidar essas agressões.


Quando nossa carroça estava à cerca de duzentos metros do antigo acampamento vi um homem dar uma facada em outro e pude perceber a camisa dele mudar de cor rapidamente. Devia ser o sangue do que fora agredido, que manchando sua camisa, a fizera mudar de cor. Foi horrível, uma cena para também jamais ser esquecida. Afinal, fazia poucos minutos que havíamos saído e um lugar tão mágico cheio de beleza e muito amor se transformara em um campo de batalhas, com sangue e agressões e muito desrespeito ao ser humano. Que crueldade! Havia tanto espaço e uma natureza farta e aquelas pessoas não conseguiam ver, só enxergavam a si próprios, o seu benefício e, aquilo que a natureza tão gentilmente nos emprestara, eles queriam tomar posse, como se fosse realmente propriedade deles.


Não sabem que a natureza existe para ser útil e alegrar a vida dos homens? Que ninguém pode ser dono dela? Que podem até destruí-la, mas jamais a terão em seus pertences? Que se não cuidarem bem dela acabarão por sucumbir? Que espírito pode ter um homem que se lança em uma luta feroz para possuir o que jamais lhe pertencerá, que está ali em benefício de todos e de toda a humanidade?


Mamãe percebendo o meu olhar triste e de indignação disse-me:


— Esse sentimento de posse desmedido e desregrado, chama-se "cobiça". Esse também é um sentimento que pode levar o homem a ficar doente, a mesma doença que pode acometer um homem ciumento, como já lhe falei. A cobiça cega o homem e o torna mal, muito mal. Faz com que esqueça seus princípios morais e o leva a querer mais, muito mais. Pode destruir a sua própria vida achando que está fazendo o bem acumulando bens materiais e fortuna, sendo que na maioria das vezes o que consegue é às custas do sacrifício alheio, da humilhação, do roubo e da degradação do próprio homem e da natureza. É também uma doença de difícil recuperação, onde a tendência natural é que sempre saia perdendo, mesmo achando que está ganhando ele estará perdendo, pois estará destruindo nosso bem mais querido, a vida. A cobiça também foi condenada pelo maior e melhor de todos os homens, o "Filho de Deus".


Autor: Julio Roberto Santos
(Narrado pelo espírito de Hiago, o cigano)

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