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09/12/2010

A Leitura do Coração

Tudo estava como era antes, eu percebi. Os mais idosos do acampamento pareciam nada ter notado, embora já se passassem alguns dias, nenhum comentário foi proferido. As crianças também não estranharam ou se perceberam algo de diferente, nada comentaram. Tudo parecia como antes...


A mim também, me parecia que em nada afetara o meu comportamento ou o de Yasmin. Senti que algo havia em mim de diferente, mas não conseguia descobrir o que, afinal eu realmente era o mesmo garoto de sempre. A única coisa que mudara em minha vida é que eu me pegava algumas vezes, e apenas algumas vezes, olhando para a Yasmin, apreciando seu sorriso, seu jeito terno e meigo de ser e agir. Isso mesmo, não havia motivo para preocupações, afinal nada mudara em nenhum de nós.


Quando Yasmin estava com as anciãs aprendendo suas magias, seus encantamentos e os segredos escondidos por trás dos mais variados objetos, aprendendo a ler a sorte nas cartas ou estudando as linhas das mãos, eu estava com os anciãos me dedicando àquilo que mais gostava de aprender, os segredos das plantas, das pedras, das curas, de como encontrar a paz espiritual através do serviço ao próximo. Disso eu gostava realmente, na verdade amava me sentir útil, embora estivesse só na fase de aprendizado, era como se eu tivesse certeza que tudo aquilo que eu aprendia iria ajudar muita gente e poderia mudar a vida de muita gente, para muito melhor e isso me fazia me sentir muitíssimo bem.


Assim que acabavam os ensinamentos era hora de brincar e nos sentávamos a beira do riacho para...


Bem, espere um pouco, algo mudou então, será? Afinal em outros tempos, assim que deixávamos os anciãos nos juntávamos, a todas as crianças e nos colocávamos a brincar e agora percebo que desde a nossa chegada a "Busra ash Shan", ou seja, desde a primeira festa deste acampamento, temos, eu a Yasmin, ocupado nosso tempo livre para ficarmos juntos e não me lembro de brincar com as outras crianças. Agora entendo por que Hafic me chamou de chato, ele disse que eu estava sem graça e muito chato, que parecia que nenhuma brincadeira me interessava mais. Puxa, que surpresa estou tendo comigo mesmo. Estive mudando sim e nem percebi. Preciso prestar mais a atenção aos meus amigos, não posso deixá-los de lado, simplesmente por que estou gostando da Yasmin. É isso mesmo, estou gostando da Yasmin!


Em meus pensamentos eu me dizia: “Puxa vida, estava apaixonado e nem percebi e será que ela gosta de mim como eu gosto dela? Será que me considera importante em sua vida? Será que sente minha falta enquanto não estamos juntos? Será que ela gosta de mim ou só está se acostumando a ficar comigo junto ao riacho? Puxa, eram tantas perguntas e nenhuma resposta. O que devo fazer para eliminar minhas dúvidas. Vou falar com Hussein! Não, como posso abordar um assunto desses com um estranho? Bem, na verdade ele não é nenhum estranho, afinal o meu melhor amigo não pode ser um estranho. Não sei o que fazer! Não sei o que pensar e nem sei com quem falar! As minhas dúvidas me apertavam o peito e eu não sabia o que fazer. Poderei falar com um dos rapazes mais velhos depois do jantar de hoje. Bem, não acho prudente e se ele espalhar as minhas dúvidas pelo acampamento todo. Realmente não sei o que fazer. Não posso falar de um assunto como esses com mamãe e papai não iria saber me aconselhar, se é que vai conseguir me entender. Vou perguntar a Yasmin, afinal ela é muito esperta e não mentiria para mim. Como irei perguntar a ela se gosta de mim? Talvez, nem mesmo ela saiba. Simplesmente, não sei o que fazer! Vou deixar para amanhã, hoje apenas vou conversar com a Lua e esperar por uma resposta, sei que ela virá!”.


Sentei com Yasmin na beirada do riacho e ficamos em silêncio absoluto como quase sempre fazíamos. Depois de uma eternidade, Yasmin quebrou o silêncio dizendo:


— Hiago, por que tem tantas dúvidas? Tudo o que lhe perturba o coração, não é bom e pode lhe fazer muito mal. Deixe as coisas irem acontecendo bem devagar... pouco a pouco... todas as suas dúvidas serão esclarecidas por você mesmo! Acha que eu também não as tenho? Mas, não estou me martirizando, não estou sofrendo com elas, apenas estou aproveitando sua companhia e me sinto muito bem com ela. Deixe que as preocupações se dissipem sozinhas. Uma a uma, todas as respostas virão, mas cada uma a seu tempo, cada uma de uma vez. Acho que não devemos abandonar os nossos amigos, neste ponto, acho que você está certo, vamos brincar primeiro e depois nos sentamos aqui e conversamos, pois mesmo que estejamos em silencio, nossas almas estarão conversando. A partir de amanhã, vamos brincar primeiro e depois ficaremos juntos. O que você acha?


Eu estava simplesmente pasmo, boquiaberto e perturbado. De todas as anciãs e anciãos do acampamento, somente minha mãe conseguia ler o coração das pessoas, e ainda assim, ela precisava pegar na mão da pessoa e mesmo de olhos fechados, conseguia dizer tudo o que a outra pessoa pensava ou precisava saber e Yasmin nem me tocara e conhecia todos os meus segredos, as minhas dúvidas e os meus sentimentos. Tudo o que dissera era um absurdo, verdadeiro, mas um absurdo. Como conseguia ler meu coração sem me tocar. Isso era humanamente impossível e ela o fez com a maior simplicidade do mundo e pior, não errou em nada. Então, lhe disse com a maior segurança possível, naquele momento:


— Claro que sim, você está certa, amanhã vamos brincar primeiro e depois nos sentaremos aqui mesmo para conversarmos ou ao menos deixar nossas almas conversarem. Fica combinado, então?


— Combinados, agora você pode me dar um beijo?


— Desculpe-me, não entendi. Você quis dizer um beijo? Assim, diante de todos?


No dia seguinte, cumprimos rigorosamente o que nos comprometemos a fazer e fomos felizes, porém ainda não havia entendido como Yasmin podia ler um coração sem tocar em parte alguma da pessoa...

Autor: Julio Roberto Santos
(Narrado pelo espírito de Hiago, o cigano)

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