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19/11/2010

O Acampamento de Busrá ash Sham

Estava apenas com doze anos de idade era e me sentia uma criança. Como das vezes anteriores fomos forçados a mudar nosso acampamento de lugar, embora dessa vez tenha sido um tanto diferente, pois havia o clima de morte no ar.

Nosso patriarca falecera tragicamente assassinado pelas costas, nas terras onde hoje conhecemos por Al Mafraq, na Jordania, simplesmente por que acampáramos sem consentimento das autoridades locais.

Em nossa caravana, enquanto buscávamos por novas terras, o comentário era de que fora um ato covarde, onde não houve tempo de reação qualquer.

Já estávamos na estrada a cerca de uns três meses, subindo e descendo montanhas, com trilhas tortuosas e lugares muito secos, com vegetação rala e de difícil habitação. Paisagens nada interessantes, muitas arvores mortas pelo sol escaldante do dia e a noite era fria e muito seca e o vento que passava por entre os galhos, zumbia tão tristemente que eu  me sentia amedrontado. Uma terra que a mim me parecia nunca ter tido vida.

Muitos dias muito quentes e muitas noites muito frias depois do último acampamento chegamos a um lugar conhecido como Busrá ash Sham, ao sul da Síria. Estávamos muito longe da cidade, há uns 5 dias de viagem, mas era um lugar agradável, com água e uma vegetação muito verde, um riacho de águas muito claras e frescas, onde se enxergava com muita nitidez o fundo com pedras e alguns peixes que sob elas se escondiam com a minha aproximação.

Na noite de nossa chegada houve muita comida, uma festa linda e muita, muita música. Todos dançavam em volta da fogueira. Os meninos e meninas do acampamento se divertiam pulando e correndo e os adultos cantavam musicas infinitamente alegres. Não parecia que tivemos uma viagem dura e demorada, que provavelmente, a indecisão de para onde ir, nos fez andar muito mais que o necessário para chegarmos onde agora estávamos.

A noite estava linda, com a lua cheia iluminando o acampamento e dando uma cor especial aos rostos felizes dos nossos homens e mulheres e algo parecia me dizer que seria uma noite impressionantemente feliz para mim também. O vinho abundante e a comida farta davam o tom da festa ao tempo em que a música e a dança pareciam lavar a nossa alma, outrora sofrida, mas neste exato momento muito rica e feliz.

Já era tarde e o sono se avizinhava, embora o espírito de todo o acampamento era o de que a festa apenas começara. Entre as muitas atrações que senti pela lua, comida, música e dança uma especial começara a me chamar a atenção. Era o perfil lindo de uma das meninas do acampamento que dançava esfuziante ao som dos violinos, acordeons, da cítara e do czimbalons, algo nela me chamava atenção. Não sabia bem o que era, mas ma atraía os olhos em sua direção. Lembro-me que cheguei a ficar envergonhado quando percebi que ela havia visto que eu estava insistentemente olhando-a.

Os primeiros indícios de que um novo dia estava chegando começaram a aparecer no horizonte e eu cansado percebi que estávamos sós, eu e ela, sentados a beira do riacho, olhando o vazio, calados, silenciosos e tudo a nossa volta parecia estar estacionado. Não havia mais o som da música do acampamento, embora sabíamos nós, que a festa continuava em andamento a poucos metros dali, mas estávamos sós, infinitamente sós, naquele exato momento, éramos um só, estávamos ambos sentados, um ao lado do outro olhando o mesmo vazio, na mesma imensidão do nada e muito provavelmente com o mesmo pensamento; tocar um no outro fisicamente, mas já nos tocávamos de alma, nossos espíritos eram comuns, estavam juntos no mesmo lugar cheio de paz e amor. Nenhuma palavra foi proferida, nenhum som foi ouvido, nenhum gesto foi manifestado, nada mais existia, somente o encontro e a união de nossas almas, que parecia ser definitiva.

Autor: Julio Roberto Santos
(Narrado pelo espírito de Hiago, o cigano)

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